1. |
Rabisco
01:28
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Risco visto, misto de clarividência com clarivivência, essência pura da costura, um dia ele chega com formosura pra te costurar também. E o que fazes com a costura? Conduza-a. Adule-a, como se adulam as regras duras, como fazem as ideias menores que um dia se tornam maduras. Rascunho, retalho, papel amassado, TRANSGRIDA! Jogue fora, repita, regrida! E de pouco em pouco você sai do lugar, foge do convencional, faz poesia marginal, porém sem margem, porém sem linha, porém sem papel. A ideia seguindo o abstracionismo existencialista do não-ser que é, e do vice-verso de sempres e nuncas eternos e fugazes como o lapso de um segundo. Mundo dos raciocínios ilógicos, onírico, empírico, empilha o que é idílico, sai do concretismo urbano-industrial de monopólio e quebra a bolsa, e quebra o tudo, e quebra o nada.
Poesia é o oculto em claro, e o inverso disto.
Poesio
Rabisco.
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2. |
Espelho
05:20
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Anoiteceu
Meu tempo é seu pra se arriscar
‘Cê sabe que eu
Invento um par pra acompanhar
Se for preciso
No escuro, nós
Nas nossas claras impressões
Eu escuto voz
Nós somos altas digressões sob o tecido
E não há rota que não leva
À porta entreaberta
O corpo renuncia
Ao que resta.
E quem será (e quem será?)
Que servirá (que ser virá?)
Pra acalentar (pra acalentar)
O coração (o coração)
O meu lugar (o meu lugar)
Me deixa lá (me deixa lá)
Não tira não (não tira não)
Não tira não...
Me bota ontem no teu meio
Eu sou o homem no espelho
Eu sou o homem no espelho em ti
Te sinto e vem
Nos versos de um novo prazer
Sentido além
Do que eu pense conhecer
Do infinito
Me espalho em tu
Que agora me faz de esboço
Retalho nu
Você faz parte do meu corpo
O meu sentido, o meu motivo
E não há porta que não leva
À rota entreaberta
O corpo renuncia
Ao que resta.
E quem será (e quem será?)
Que servirá (que ser virá?)
Pra acalentar (pra acalentar)
O coração (o coração)
O meu lugar (o meu lugar)
Me deixa lá (me deixa lá)
Não tira não (não tira não)
Não tira não...
Me bota ontem no teu meio
Eu sou o homem no espelho
Eu sou o homem no espelho em ti
Que ainda continua a refletir a minha vida
Que esta sina minha e tua seja linda nessa ida
Que ainda continua a refletir a minha vida
Que esta sina minha e tua seja o fim da minha vida
Que ainda continua a refletir a minha vida
Que esta sina minha e tua seja o fim da minha...
E quem será (e quem será?)
Que servirá (que ser virá?)
Pra acalentar (pra acalentar)
O coração (o coração)
O meu lugar (o meu lugar)
Me deixa lá (me deixa lá)
Não tira não (não tira não)
Não tira não...
Me bota ontem no teu meio
Eu sou o homem no espelho
Eu sou o homem no espelho em ti
Que ainda continua a refletir a minha vida
Que esta sina minha e tua seja o fim da minha vida
Que ainda continua a refletir a minha vida
Que esta sina minha e tua seja o fim da minha...
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3. |
Desapego
06:03
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A lembrança de como ela veio a deitar-se naquela cama - numa deveras irretocável espécie de beleza, por cuja magnitude indeclarável eu mesmo viria a perder o senso de direção anos depois - costumava tornar com mais força no passado. Nos últimos meses, porém, o percurso das pérolas negras à pálida luz me fugia, fugaz. Lembro-me de sentar à sua frente, com corpo despido, revolvido pelos finos lençóis de que se constituía nossa manta, e observá-la sobre a superfície amarrotada, descabelada, descoberta, numa certa forma mística de poesia. À hora escura, pela primeiríssima vez me percebia então mais apaixonado que todas as outras horas, todas as outras eras. Eram outras histórias, eram passado, que diante da grandeza daquele sentimento que se apercebia, não passavam de meros ensaios.
E aquele corpo quase me sussurrava o pecado – com respiração serena, a indecifrável morena tomava-me os braços e pernas e fazia de mim a mais bela peça moderna; e eu, súdito, permitia-lhe fazer-me numa nova forma, num novo arquétipo, um novo ensaio. Iluminada pela lua, numa nua afeição sincera, no final, ela sorria-me com a única covinha na bochecha direita – e eu já não tinha mais outras vontades. Ligeiras, as outras mulheres todas sumiam; os outros vícios todos tinham partido, não deixando espaço para nada que não fosse dela pelos cinquenta e cinco anos que se seguiriam.
E foi com arrebatadora percepção de realidade que me enlacei, ainda naquela noite, a tudo que seria dela – sem mesmo me preocupar com reciprocidade ou outras bobagens. Queria aquela imagem a se repetir por noites eternas e transcendentais, e que ela tivesse, no interior de sua própria composição, a inabalável certeza de que poria nela toda a realeza que possuía – e ao coroá-la rainha de mim, naquele mesmíssimo segundo em que vislumbrava seu corpo à luz alva, eu afirmava assim que seu reinado fim não teria, mesmo que a vida se encarregasse do fardo de separar-nos.
Chegar-se-ia o momento, eu sabia, em que as lembranças daquele doce passado não mais me tocariam da mesma forma; que as sensações para as quais ela houvera me despertado anos antes faleceriam como as flores que secam, como o tempo que escorre e a gente já não tem mais, como eu já imaginava inimaginável o caminho que tomariam essas lembranças.
É com grande emoção que este epitáfio escrevo, meu amor. Um segundo epitáfio. Três anos depois de sua partida, uno a força sobre-humana da minha vida e eternizo-te neste desabafo.
Viver é, ainda, muito difícil sem você ao lado.
Que chegue logo o dia em que deitaremos naquela cama de novo, meu bem, como fizemos quando pequenos. E que jamais me faltem motivos para querer te observar de novo, e de novo, e de novo, estático, na eternidade daquele segundo que em ti eu me perdi.
E jamais consegui me encontrar.
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4. |
Baião da Morena
05:43
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As nossas imperfeições nem se encaixam, morena
E nem deviam se encaixar...
Eu queria estar você
Ser você, se quer saber...
E o que não me for, tu será, e vice-verso.
Não vim cantar essa cidade, todo mundo já sabe qual é
Eu pedi um amor de verdade, fruto que cai muito longe do pé
Mas o bom deus, generoso, atendeu sem hesitar...
Me mandou a minha pequena, a mulata serena da beira do mar...
Menina, me dá um beijo
Me ensina o teu anseio
Menina, eu te espero
Pra poder te estar!
Morena, não se esconde, eu vou pra onde você for, me faz
Carinho, escolhe o ninho no meu peito, esse teu
Jeito de mexer nesse cabelo, quando sorri pra mim, não consigo,
É um sorriso tão bonito...
Quando é que vem se rir comigo?
Quando é que eu acho o caminho certo pra sentir?
Que dentro de um suspiro eu já não tô mais aqui...
Com tanto espaço entre nós, cadê o teu vazio em mim?
Não vim cantar essa cidade, todo mundo já sabe qual é
Eu pedi um amor de verdade, fruto que cai muito longe do pé
Mas o bom deus, generoso, atendeu sem hesitar...
Me mandou a minha pequena, a mulata serena da beira do mar...
Tristeza, venha sim
Se essa beleza não olhar pra mim...
Tem certeza que é benção
Tu dançando esse baião,
Coisa linda! Me desculpa
Se eu não sei te estar...?
Um dia eu vou saber te estar!
Pra poder te estar!
Morena, não se esconde, eu vou pra onde você for, me faz
Carinho, escolhe o ninho no meu peito, esse teu
Jeito de mexer nesse cabelo, quando sorri pra mim, não consigo,
É um sorriso tão bonito...
Quando é que vem se rir comigo?
É estranho eu pensar que um dia posso conseguir
Dois castanhos lado a lado, com meu passo a seguir?
Sempre quis saber no fundo como era te sonhar
Um mundo novo maior que a percepção a captar.
Ide e fazei a cidade cantar
É o amor que nos faz poetizar...
Vem a mim, que eu quero sim
Você pra mim, querubim...
Vem a mim, e mostra-me
O quanto que eu quero olvidar...
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5. |
Ferrovia
02:45
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Em algum lugar no meio do campo
Vão construir uma ferrovia
Em algum lugar no meio do campo
Um veneno nos contamina.
Em algum lugar no meio do campo
O bom Deus leva o que de mim restou.
Em algum lugar no meio do campo
A alma foge do corpo cansado
Já não aguenta mais o inchaço
E o coração se afoga em pranto
E a barriga dói de fome
E a garganta dói de sede
Já não aguenta mais os cortes
Já não aguenta mais saudade.
Saudade.
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6. |
Lu, Cais (Fogo de Palha)
04:20
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Foi fogo de palha
E tudo viu
No berço do caminho
O preço vil da eternidade por um fio
O conjunto harmonioso
Se casava velho
E calejado, o passado
Se tornava etéreo
E pelo estéreo as canções pairavam noutro cemitério
"Ar", tu respondeu, "não tem pra respirar"
Corre, não vou poder continuar
Gagá, abri o véu e me casei
Lu, cais
Foi fogo de palha, o que cê esperava?
Foi fogo de palha, a gente afiava
A navalha do amor e entalhava
O nosso corpo-ação, a gente prometer'amar
Semínimas...
O conjunto harmonioso
Se casava velho
E calejado, o passado
Se tornava etéreo
E pelo estéreo as canções pairavam noutro cemitério
"Ar", thu respondeu, "não tem pra respirar"
Corre, não vou poder continuar
Gagá, abri o véu e me casei
Seminima-theus olhos querem me ver
O que que cê quer? Vim ver
(O que que cê quer?) (O quê? Me fala! O quê?)
Me diz o que que cê quer?
O que? Me fala. Meu deus!
O que que cê-?
RARARARARARARA
AAAAAAAAAAAAH
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7. |
Senhor de Engenho
02:43
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Ó meu senhor do engenho
Eu só quero ver o mar
Quero voltar pra minha terra
E chão pra plantar
Ó meu senhor, eu sou negro
Ó meu senhor, eu sou branco
Da sua alma sou um espelho
Mas com certeza sou humano
Ó meu senhor, eu sou trabalho
Ó meu senhor, eu sou o campo
Da despedida eu sou o beijo
E das mulheres eu sou o pranto
Ó meu senhor, eu sou saudade
Ó meu senhor, eu sou açoite
Do coração eu sou a esperança
E dos seus olhos eu sou a noite
Ó meu senhor, eu sou pobreza
Ó meu senhor, eu sou a dor
Nessa miséria eu encontrei riqueza
E das verdades me tornei amor.
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8. |
Alberto
03:36
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O meu olhar é nítido como um girassol (x4)
E o que eu vejo é sempre aquilo que eu nunca vi (x3)
O meu olhar é nítido como um girassol (x6)
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Não basta não ser cego para perceber (x3)
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9. |
Prelúdio Trágico
01:22
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Quando o homem souber
Que três não dão a mão
Sarados estão, no coração
Os trapos de toda
Mulher
E quando ela souber
Que é a dois, então
Serão, num triz
Fadados a ser
Feliz
Livre, levo os lindos
Planos findos, que não precisamos
Livro-te...
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10. |
Tragédia
05:34
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Meu amor, onde é que está você?
Aqui fora é frio, cá dentro, infinito...
Eu só vou chorar o amanhecer
Do dia em que o rio me trouxe o vazio...
Que eu não pude esquecer, você entrou num labirinto
De tudo aquilo que eu fiz, e tudo aquilo que sentia.
Eu não vou te abraçar, o calar da noite me trouxe...
Melancolia.
E as mãos dele acariciam suas costas
À mostra a sua pele que ele tanto gosta
Resposta ao fraco tolo moço apaixonado
O sorriso dele me confirma o fado.
E o fato, tudo acontece na minha frente,
Inconsequentemente você também sente
Sempre sendo assim, o meu fim, imolado
Morto, sepultado por amor imaginário.
Vem me dizer que é real como você e eu
Será que esqueceu que o meu coração não suporta ver
Você descansar nos braços... de uma tragédia?
Lalaia, lalaia, lalaia... Ah...
Livre, levo os lindos planos
Findos que não precisamos
Livro-te... da dor-
me pequena, dorme enquanto eu velo
O Sétimo Selo, espero o sol raiar...
Mas ele não chega, a escuridão inteira a me gritar
Rasteira, lá, naquele lar, agora
Dorme com seu par um outro homem a te ensinar
Que o mundo é seu, verdade fria,
Mas ela é minha, esqueça, assim é que a
Minha solidão me mata, eu
Choro o mundo, e o mundo escapa,
As minhas mãos, então vazias
Só me abraçam, a maresia vai me levar...
PONTE
REFRÃO
Livre, levo os lindos planos
Findos que não precisamos
Livro-te...
Da dor.
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Destinatário Anônimo Rio De Janeiro, Brazil
Então é assim que soa quando a gente pensa no início.
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